Um acelerador de partículas é um aparelho que produz
"feixes" de átomos, elétrons, moléculas ou algumas partículas mais
exóticas, como antiprótons, pósitrons ou mésons, com velocidades altas, geralmente
superiores a 1/1000 da velocidade da luz c. Para que sejam atingidas
estas velocidades, que em alguns casos chegam quase na velocidade da luz, as
partículas sofrem a ação de forças eletromagnéticas, com arranjos que diferem
bastante entre os diversos tipos de aceleradores.
Um "feixe" de partículas ocorre quando as
trajetórias dessas partículas são razoavelmente paralelas e distam menos de 1
centímetro umas das outras. (A palavra "feixe" quer dizer em geral um
conjunto de objetos paralelos colocados perto um do outro, como numa vassoura
de gravetos onde eles são amarrados por uma corda, vindo daí a palavra
"faxina".) Um feixe é caracterizado então pela partícula que o forma,
pela sua energia cinética Ec(ou velocidade v) e pelo número de partículas por
unidade de tempo N. Se a carga das partículas for q, há uma relação simples
entre a corrente elétrica total do feixe, I, e o fluxo N: I=Nq.
Mas porque alguém aceleraria partículas? A primeira
razão é que precisamos conhecê-las melhor e um dos meios de fazer isso é
colidi-las em altas velocidades com outras partículas (átomos, fótons,
elétrons, moléculas, etc) ou com sólidos. A segunda razão é que podemos usar
essas colisões para conhecer melhor os "alvos", por exemplo obtendo a
composição química de objetos sólidos. Há também numerosas aplicações
tecnológicas e médicas. A Microeletrônica, por exemplo, não existiria sem
aceleradores, chamados "implantadores" porque colocam átomos,
geralmente de boro e de fósforo, dentro de um cristal de silício. (Antes de aceleradores
começarem a ser empregados nos anos 60 já eram fabricados válvulas, diodos e
transistores - mas sem aceleradores os tamanhos de qualquer circuito eletrônico
seriam milhões de vezes maiores que hoje.) Num outro exemplo, a erroneamente
chamada Medicina Nuclear usa aceleradores para produzir radioisótopos usados em
terapias ou em diagnósticos, para produzir raios-X ou para irradiação de
tumores com elétrons ultra-rápidos (energia cinética de 20 MeV, equivale a
velocidade 0,9997c).
Uma questão preliminar é a das unidades. Em geral nos
referimos às energias cinéticas em eV ou seus múltiplos keV (1000 eV), MeV
(1000 keV), GeV (1000 MeV) ou TeV (1000 GeV). Um eV é a energia cinética de uma
partícula com a carga do elétron que atravessou uma diferença de potencial
elétrico de um Volt e corresponde à energia de 1,6 *10 elevado a (-19) Joules.
Caso a energia cinética de uma partícula seja muito inferior à sua
"energia de repouso" (mc elevado a 2) podemos usar a fórmula usual
Ec=(1/2)mv elevado a 2, de outra forma teremos que usar expressões
relativísticas. Como exemplos, um elétron num tubo de TV tem cerca de 25000 eV
antes de bater na tela e produzir luz, uma molécula de gás tem cerca de 1/40 do
eV, os fótons de luz visível tem cerca de 2 eV, as partículas emitidas pelos
núcleo de alguns átomos, chamados radioativos, tem alguns milhões de eV.
Se desejarmos estudar o núcleo as energias são
geralmente superiores a 1 MeV, podendo ir a GeV. Se quisermos estudar as
partículas que formam o núcleo as energias serão maiores ainda, de GeV a Tev.
(Átomos ou núcleos com energia cinética de 1 MeV tem velocidades, dependendo da
massa atômica, indo de 0,003 c, para o urânio,a 0,05 c, para o hidrogênio. Não
apenas a complexidade dessas máquinas aumenta com a energia, em cada faixa
estudam-se fenômenos distintos, cuja relevância vai da compreensão de nossa
atmosfera até à da origem do universo. Incidentalmente as máquinas gigantescas
que trabalham na região de 1 TeV, o CERN na Europa e o Fermilab na América do
Norte, tem como subprodutos aplicações tecnológicas em mecânica fina, novos
materiais, eletrônica e supercondutividade, sendo isto uma das principais
motivações de seus orçamentos anuais de centenas de milhões de dólares. Não
iremos falar destes aceleradores, concentrando-nos nos que permitem estudar
propriedades atômicas e suas ainda mais generalizadas aplicações, ou seja, as
energias disponíveis não serão suficientes para quebrar ou excitar o núcleo
atômico, o que quer dizer velocidades entre cerca de 1/1000 e 1/10 de c, ou
energias indo de 0,001 eV a alguns MeV.
É difícil para nós imaginar que até 200 anos atrás não
se soubesse nada sobre átomos ( a Teoria Atômica de Dalton data do início do
século XIX) ou que apenas cem anos atrás tenha sido descoberta a existência do
elétron, pois hoje toda a tecnologia se baseia em átomos e em elétrons.
Inúmeras aplicações de propriedades atômicas na Engenharia, na Química e na
Medicina, não existiam, entre elas quase todas a Eletrônica, a Ciência de
Materiais e a Química Analítica (que estuda a composição química de um objeto
ou de uma amostra). Pelo lado da Ciência, nesse passado tão recente não eram
conhecidos os fenômenos básicos da Química, da Biologia, da Física e da
Meteorologia para os quais os átomos (e as moléculas, que são aglomerados de
átomos) são fundamentais. Hoje, por exemplo discutimos as propriedades dos
seres vivos e como alterá-las através da Genética Molecular, quando o gen é
estudado como formado por grupos de átomos; estudamos a temperatura da Terra e
a intensidade de radiação ultravioleta (UV) pelas colisões entre moléculas na
atmosfera e somos capazes de calcular propriedades de compostos químicos os
mais diversos, nas fases gasosa, líquida ou sólida, usando a Mecânica Quântica.
Estamos rodeados de materiais "artificiais",
como plásticos, remédios, ligas metálicas e cerâmicas, desconhecidos por nossos
antepassados de 100 ou de 200 anos atrás, ou mesmo que desconhecíamos durante
nossa infância. A descoberta e/ou produção de muitos deles só foi possível usando
propriedades atômicas e moleculares descobertas usando aceleradores. Foram
experiências usando aceleradores que nos permitiram a compreensão que temos dos
átomos e das substâncias que nos rodeiam, fornecendo a base para a Mecânica
Quântica no início deste século, por sua vez permitindo a compreensão teórica
dos fenômenos químicos. Nessas experiências um átomo (em geral ionizado
positiva ou negativamente) ou um elétron (uma partícula que existe dentro dele)
é acelerado até uma velocidade "alta" e colide com um "alvo",
que pode ser um outro átomo, uma molécula, um objeto sólido, a superfície de um
líquido, etc.
Além de explicar essas propriedades, os aceleradores
são usados para fabricar equipamentos baseados nelas. Por exemplo, os aparelhos
eletrônicos funcionam baseados em componentes (os circuitos integrados ou
"chips", que podem conter o equivalente a dezenas de milhões de
transistores) fabricados por implantação de átomos de velocidade alta (obtida
usando aceleradores de íons) em cristais de silício. Alguns destes aparelhos,
como microcomputadores ou simples televisões, são eles próprios aceleradores,
acelerando elétrons até velocidades de 30% da velocidade da luz.
Até 1750, por exemplo, apenas 17 do atuais 105
elementos eram conhecidos e nem era sabido que todas as substâncias eram
formadas por combinações desses cento e pouco elementos. Na segunda metade do
século XVIII uma sucessão de grandes químicos, como Lavoisier (1743-1794,
quando foi morto pelo governo revolucionário da França) e Proust (1754-1826), não
apenas mais do que dobraram o número de elementos conhecidos (passou para 40)
como também verificaram a existência de relações definidas entre as massas das
substâncias envolvidas numa reação química. No início do século XIX Dalton
(1766-1844) propôs a Teoria Atômica e Berzelius (1779-1848) a maneira como se
denotam os elementos. Além desses cientistas numerosos outros descobriam novos
elementos, sintetizavam novas substâncias e descobriam a "composição
química" de muitas outras, algumas conhecidas desde a Antiguidade, como o
sal de cozinha, a alumina e a soda. Mas se desconhecia o que eram os átomos.
Para estudar os átomos, os núcleos dos átomos e as
partículas dentro desses núcleos temos que fazer colisões com velocidades
crescentes. Em alguns casos a Natureza já nos fornece átomos (ou íons, que são
átomos sem alguns elétrons) com velocidades altas. Exemplos disto são os átomos
cujos núcleos emitem espontaneamente partículas alfa (estas são formadas por 2
prótons e 2 nêutrons, tendo carga elétrica positiva +2e e energias cinéticas da
ordem de alguns MeV), sendo uma espécie de "acelerador" que não
precisa ser ligado na tomada.... Em 1911 dois físicos, Geiger e Marsden,
fizeram a experiência que levou outro físico, Rutherford, a propor no mesmo ano
o atual modelo do átomo (e a tornar-se instantaneamente um químico, ganhando o
premio Nobel de Química). Nela um emissor de "alfas" foi colocado
perto de uma folha metálica fina e, medindo as partículas alfa após a interação
com a folha verificou-se que embora a maioria sofresse uma deflexão pequena
algumas poucas eram fortemente "espalhadas" para trás. Rutherford
interpretou este fato como a existência de um núcleo pequeno e positivo em
torno do qual orbitavam elétrons. Havia no entanto numerosos problemas para
compatibilizar as teorias da Física vigente com esse modelo, o que deu um
grande impulso à busca de uma nova mecânica, a Quântica, o que demorou cerca de
duas décadas.
Outro tipo de partícula rápida que a Natureza nos dá é
o raio cósmico, onde partículas atingem a Terra, eventualmente com energias
muito superiores à dos aceleradores de maior porte atuais. Uma parte da
compreensão atual sobre as partículas usou resultados de medição desses raios
cósmicos, como as medidas feitas pelo físico brasileiro Lattes na Bolívia na
década de 50.
A Química hoje seria provavelmente descrita como a
ciência que estuda os átomos e as moléculas: como reagem uns com os outros,
como emitem ou absorvem luz, como se ionizam, perdendo ou ganhando elétrons,
etc. Uma "reação química", por exemplo a de combustão quando uma
molécula de açúcar e uma de oxigênio reagem dentro de um ser vivo fornecendo
energia, é uma "colisão", mesmo que nesse caso as velocidades sejam
baixas. Do ponto de vista aplicado diversas técnicas (como o PIXE, o RBS e o
Auger) se baseiam na emissão de elétrons ou de raios-X por átomos que foram
alvejados por elétrons ou por íons de alta velocidade, obtidos em aceleradores.
Grande parte das informações que temos sobre os átomos
e sobre as moléculas vem dessas colisões, feitas de forma controlada. Podemos
ter um feixe de luz monocromática atravessando um meio e considerar que as
partículas de luz (fótons) colidem com um "alvo" de átomos ou
moléculas. Podemos ter uma experiência bem similar, onde ao invés de luz temos
feixes de elétrons ou de íons, cada feixe sendo composto por partículas com a
mesma energia cinética.
Aceleradores são também fundamentais em aplicações . Os
microcircuitos de um computador são fabricados acelerando íons a dezenas de
milhares de eV e jogando-os contra uma pastilha de silício. Estes aceleradores
são chamados implantadores e sem eles não haveria nem a eletrônica moderna nem
os computadores. Outras aplicações existem na Medicina, onde freqüentemente
aceleradores de elétrons com 20 milhões de eV são usados para irradiar
pacientes com câncer (os elétrons destroem o tecido canceroso). Na medicina
também são usados para fazer a produção de substâncias radioativas, as quais
podem ser usadas para tratar o câncer. Um tubo de raios-X, equipamento usado rotineiramente
no diagnóstico médico desde meados deste século XX, é um acelerador de
elétrons, que atingem algumas dezenas ou centenas de milhares de eV e incidem
sobre uma folha metálica, cujos átomos emitem raios-X.
Mas, como se acelera um elétron, ou um íon ou um átomo?
Essencialmente são forcas elétricas que fazem isso, ou diretamente (como no
tubo de TV ou no de raios-X) ou indiretamente, quando campos magnéticos
variáveis no tempo produzem forcas elétricas (os aceleradores acima de alguns
milhões de eV em geral são desse tipo).
Entre os diferentes tipos de aceleradores temos:
-os "tandems", onde íons negativos são
acelerados por um potencial elétrico positivo até um alvo gasoso ou sólido onde
perdem elétrons, virando íons positivos e sendo acelerados novamente ( O
acelerador da UFRJ é desse tipo, se tivermos por exemplo um feixe de H- e um
potencial de 1,7 MV vamos obter um feixe de H+ com 3,4 MeV. No Brasil há outros
similares na UFRGS e na USP);
- os Van de Graaff, onde uma esfera é carregada eletricamente
até alguns MV e dentro dela se coloca uma fonte de íons, os quais são
acelerados (No Brasil há um na PUC/RJ.);
-os lineares, onde um campo magnético variável induz um
campo elétrico variável na direção do tubo do acelerador, com o campo elétrico
&sendo oscilante, mas com o feixe sendo pulsado, para só percorrer o tubo
quando o campo aponta no sentido desejado (No Brasil há aceleradores deste tipo
no CBPF, na USP e em muitos hospitais.);
- o ciclotron, onde o íon descreve semicírculos sob a
ação de campo magnético, entre esses semicírculos é acelerado por um campo
elétrico e, como passa diversas vezes nesse mesma região, um potencial elétrico
pequeno resulta numa grande energia final (No Brasil temos aceleradores destes
no IEN e no IPEN, respectivamente nas cidades do Rio de Janeiro e de São
Paulo.) e
-os eletrostáticos de baixa voltagem (até algumas
centenas de keV) onde um elétron ou um íon é acelerado por um gerador externo
(No Brasil são empregados para acelerar elétrons, sendo encontrados na UFRJ e
na UFSCar. Além desses aceleradores, obviamente temos todos os tubos de
raios-x, todos os aparelhos de TV e todos os monitores de vídeo de
computadores, formalmente aceleradores mas que são empregados para finalidades
outras que não a pesquisa...)
Temos também o sincrotron de radiação onde elétrons são
acelerados a energias da ordem de GeV e, como percorrem trajetórias curvas,
emitem fortemente luz polarizada, monocromática e de alta freqüência. Estes
aceleradores no entanto não são usados para colidir as partículas aceleradas
com um "alvo" mas sim para fazer interagir essa "luz
sincrotron" com alvos. (No Brasil temos o Laboratório Nacional dfe Luz
Sincrotron, em Campinas.).
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